11/12/2010

capítulo 14

"um dia abri os olhos e ela estava aos pés da minha cama, olhando-me em silêncio.
acho que ficámos assim durante muito tempo.
- tens sede? - perguntou.
- não. - disse eu.
- dói-te a cabeça?
- dói.
- vai ser sempre assim - disse ela.
- assim como?
- assim. estava escrito que ia ser assim.
- escrito onde?
- nos teus olhos. quando nasceste entendi logo que ia ser assim. só não sabia que ia doer tanto...
olho para ela sem entender. mas o mal deve ser meu: ela diz que, assim que chegam as febres, o juízo sai como o suor largado nos lençóis. devo ser eu que entendo palavras diferentes daquelas que ela diz. tento sentar-me na cama, mas lá do fundo ela ordena:
- não te mexas, não te mexas que o vidro pode estalar.
- que vidro? - perguntei a medo.
- o vidro. não sentes como o vidro é frio? não vês a tua respiração de encontro ao vidro? se te mexes, tudo se estilhaça. como da outra vez. um estilhaço entrou no meu coração e na minha cabeça. por isso vou endoidecer, sabes? um dia deste endoideço, e ninguém vai dar por isso. acho que é a paga. tem de ser. a minha paga.
(...)
- a paga? a paga de quê?
(...)
- a paga - repete. - a paga por ter acreditado que eras eterna.
(...)
- tenho febre, tenho muita febre.
- a tua cabeça é gelo.
- a minha cabeça escalda.
- tu devias ser eterna. por que é que nao foste eterna?"

os olhos de ana marta

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